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Dos embargos de terceiro em penhora sobre imóvel
Autores do artigo:
WINDERSON JASTER, especialista em Direito de Família e Sucessões, Direito Imobiliário e Direito Aplicado na Escola de Magistratura do Estado do Paraná e JOSÉ LUIZ DA MATTA COTA, graduado em Direito na Universidade Federal do Estado do Paraná.
1. INTRODUÇÃO
Imaginemos a situação hipotética na qual o indivíduo “A” ajuíza execução contra o indivíduo “B”, que lhe deve R$ 50.000,00. Buscando meios para ver seu crédito satisfeito, “A” requer em juízo a penhora do imóvel em que “B” reside. Ocorre, entretanto, que o referido imóvel, em verdade, é de propriedade de “C”, pai do indivíduo “B”, que apenas cedeu a este a utilização temporária do bem. Estando “C” alheio ao processo judicial em que se requereu a penhora, de que maneira poderia ele questionar o ato de constrição?
Ainda que caricato o exemplo, é justamente para que seja possibilitado o contraditório em situações como a relatada que surge, no ordenamento jurídico brasileiro, a figura dos embargos de terceiro.
Se não se permite que a execução prejudique quem dela não participa, este remédio processual que tem natureza de uma nova ação se revela extremamente importante para a tutela dos direitos sobre imóveis. O presente estudo procederá, neste sentido, à conceituação do instituto ao mesmo tempo em que confere enfoque especial à sua utilização para a proteção deste tipo de bem.
2. DOS EMBARGOS DE TERCEIRO
Ainda que já tenha sido iniciada ao longo da introdução a apresentação dos embargos de terceiro, pertinente se faz, para fins didáticos, tecer considerações complementares acerca deste remédio processual.
O ilustre jurista Enrico Tullio Liebman, neste sentido, já o definia como a “ação proposta por terceiro em defesa de seus bens contra execuções alheias[1]”. Complementando esta definição, Humberto Theodoro Jr. o enxerga como uma “ação de natureza constitutiva, que busca desconstituir o ato judicial abusivo, restituindo as partes ao estado anterior à apreensão impugnada[2]”.
Em ambas as definições, chama atenção a presença da expressão “ação”. Justifica-se tal na medida em que os embargos de terceiro, de acordo com Código de Processo Civil, devem ser manejados em processo autônomo, distinto daquele no qual ocorreu a constrição, relacionando-se ambos apenas por estarem distribuídos por dependência.
Outra questão interessante diz respeito ao prazo de seu ajuizamento. A literalidade do artigo 675 do Código de Processo Civil, neste sentido, esclarece que “os embargos podem ser opostos a qualquer tempo no processo de conhecimento enquanto não transitada em julgado a sentença e, no cumprimento de sentença ou no processo de execução, até cinco dias depois da adjudicação, da alienação por iniciativa particular ou da arrematação, mas sempre antes da assinatura da respectiva carta”.
Ainda, para além dos pressupostos processuais e das condições da ação comuns a todos os processos e ações em geral, Marcus Vinicius Rios Gonçalves apresenta quatro requisitos de admissibilidade específicos dos embargos de terceiro[3].
O primeiro e mais natural deles seria a existência de um ato de apreensão judicial, nos termos do que dispõe o artigo 674 do Código de Processo Civil. Não se faz necessário, entretanto, que a apreensão esteja efetivamente consumada. A literalidade da norma em análise deixa claro que os embargos podem ser opostos tanto em caráter repressivo, quando busca desconstituir ato concreto, quanto em caráter preventivo, quando busca impedir mera ameaça de constrição.
Outro requisito, de acordo com o autor, é de que os embargos sejam interpostos por quem invoque a condição de proprietário ou possuidor, alegando preencher uma das duas condições.
Também é exigência para seu manejo o fato de o embargante ser terceiro, ou seja, não figurar como parte no processo de execução. O Código de Processo Civil, no §2o de seu artigo 674, neste sentido, traz um rol daqueles que podem ser considerados como tal:
§ 2o Considera-se terceiro, para ajuizamento dos embargos:
I - o cônjuge ou companheiro, quando defende a posse de bens próprios ou de sua meação, ressalvado o disposto no art. 843;
II - o adquirente de bens cuja constrição decorreu de decisão que declara a ineficácia da alienação realizada em fraude à execução;
III - quem sofre constrição judicial de seus bens por força de desconsideração da personalidade jurídica, de cujo incidente não fez parte;
IV - o credor com garantia real para obstar expropriação judicial do objeto de direito real de garantia, caso não tenha sido intimado, nos termos legais dos atos expropriatórios respectivos.
Por fim, seria requisito para o acolhimento dos embargos, ainda, que a apreensão seja indevida. Para além de terceiro, portanto, não pode aquele que propõe o uso do instrumento ser o sujeito responsável pelo pagamento da dívida.
Passaremos, a partir de então, a ampliarmos os segundos e terceiros requisitos apresentados pelas lições de Marcus Vinicius Rios Gonçalves, consistentes na caracterização do terceiro e de sua condição de proprietário ou possuidor do bem, conferindo-lhes enfoque específico quanto aos bens imóveis, objeto fim do presente estudo.
3. EMBARGOS DE TERCEIRO DO CÔNJUGE OU COMPANHEIRO SOBRE IMÓVEIS
Conforme estudado, o instrumento dos embargos de terceiro é um remédio processual típico que tem como objetivo evitar que o ônus do processo de execução incida sobre quem dele não participa.
Merece atenção, neste sentido, a hipótese em que a constrição recai sobre imóvel adquirido conjuntamente por cônjuges ou companheiros na constância da relação. Isto porque os bens adquiridos a partir de sua celebração, a depender do regime de bens adotado, podem ser considerados propriedade comum de ambos. Ainda assim, entretanto, cada um deles possui individualmente a sua parte na meação, não se revelando justo que a dívida contraída por um só e em prol somente dele afete também a quota parte do outro. O terceiro legitimado a utilizar-se dos embargos nesta hipótese específica, portanto, seria o próprio cônjuge.
Inicialmente, então, conforme apregoa Marcus Vinicius Rios Gonçalves, se faz necessário analisar se a dívida que deu origem ao ato constritivo foi revertida em proveito do casal como um todo ou se foi revertida em prol apenas de um deles.
Desta forma, não sendo parte do feito o cônjuge ou companheiro daquele que tem imóvel constrito pela execução, ao terceiro caberão duas possibilidades, as quais irretocavelmente leciona o autor:
(...) poderá ajuizar embargos de devedor, se quiser discutir o débito; ou dos embargos de terceiro, se quiser afastar a penhora sobre a sua meação ou seus bens próprios, caso em que, para ter êxito, precisará demonstrar que a dívida não reverteu em proveito do casal ou dos filhos, mas somente daquele que a contraiu. Esse cônjuge ou companheiro, embora intimado da penhora sobre bens imóveis, não se transforma em parte, e poderá valer-se dos embargos de terceiro, como deixa claro a Súmula 134 do STJ: “Embora intimado da penhora em imóvel do casal, o cônjuge do executado pode opor embargos de terceiro para defesa de sua meação[4]”.
4. EMBARGOS DE TERCEIRO EM CASO DE PENHORA DE IMÓVEIS DOS SÓCIOS
Outra hipótese de legitimidade ativa na proposição dos embargos de terceiro diz respeito às situações na qual, em execução contra pessoa jurídica, a penhora acaba por recair sobre bem particular de um dos sócios.
Como se sabe, afinal, o patrimônio das empresas registradas e não individuais não se confundem com o patrimônio pessoal do sócio. É desta forma que se fala que, inquestionavelmente, o sócio poderia ser considerado terceiro sob as regras do Código de Processo Civil, protegendo, assim, bem próprio de eventual constrição indevida.
O §2o de seu artigo 674, entretanto, relaciona sua possibilidade de utilização à existência de outro instituto processual do Direito.
Afinal, ainda que a regra seja a impossibilidade de se afetar bem particular dos sócios em empresas de responsabilidade limitada, existem mecanismos no Direito que a excepcionam. Uma delas é a desconsideração da personalidade jurídica, que pode ser decretada pelo juiz caso verificadas as hipóteses do artigo 50 do Código Civil ou do artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor.
Caso o juiz decrete a extensão da responsabilidade patrimonial aos sócios por meio do chamado incidente de desconsideração da personalidade jurídica, meio próprio de realização do contraditório previsto nos artigos 133 e seguintes da legislação processual, não caberá aos sócios prejudicados a utilização dos embargos de terceiro, vez que a discussão acerca da incidência ou não da execução sobre seus bens imóveis deveria ter sido realizado já naquele momento.
Por sua vez, caso o juiz estenda a responsabilidade patrimonial ao sócio e determine a constrição de seus bens imóveis sem que tenha havido o prévio incidente, poderá o sócio valer-se de embargos de terceiro, nos termos da norma em análise.
5. EMBARGOS DE TERCEIRO DO CREDOR COM GARANTIA REAL DE IMÓVEL NÃO INTIMADO
Bem imóvel com garantia real, em síntese, é todo aquele que é destinado por um devedor a assegurar o cumprimento de uma obrigação. Exemplifica-se este conceito com o caso da hipoteca, em que se oferece um imóvel como garantia para a tomada de um empréstimo pecuniário.
Nas execuções, quando se intenta a expropriação de bens gravados com garantia real, neste sentido, devem os credores primários a quem foram ofertados os bens em garantia serem necessariamente intimados da penhora, possibilitando-se que possam estes exercer o direito de preferência, como dispõe o artigo 889 do Código de Processo Civil.
Entretanto, na medida em que a legislação deve proteger este indivíduo também de eventuais falhas processuais, a exemplo da falta de intimação acerca da alienação judicial no prazo previsto de 5 (cinco) dias de antecedência, prevê o inciso III do 2o do artigo 674 do Código de Processo Civil que o credor com garantia real poderá se opor à constrição que deixou de observar o correto procedimento por meio da utilização dos embargos de terceiro.
6. EMBARGOS DE TERCEIRO SOBRE IMÓVEL NÃO REGISTRADO
Ao longo do estudo “Dos procedimentos adotados para a compra e venda de imóveis no ordenamento jurídico brasileiro”, desta mesma autoria, foi abordada integralmente a forma na qual se dá a compra e venda de um imóvel e sua transferência de propriedade.
Dispôs-se nele, em síntese, que é adotada no Brasil a concepção de que somente é proprietário quem tem seu nome registrado na matrícula do imóvel – documento que descreve e contém todas as informações sobre o bem, armazenado nos Cartórios de Registros de Imóveis respectivos. O contrato de compra e venda e a escritura pública, neste sentido, não seriam capazes de, por si só, resultar na aquisição da propriedade imóvel.
Quando realizado somente o contrato de compra e venda e não efetivada a transferência no registro, portanto, o imóvel inquestionavelmente permanece em nome do devedor, correndo o risco de ser penhorado em eventual processo de execução.
Questiona-se, assim, se seria cabível ao comprador que formalizou o contrato em data anterior à apreensão judicial e que não promoveu a transferência do imóvel se utilizasse dos embargos de terceiro para livrar o bem imóvel da expropriação.
A resposta foi assentada na Súmula 84 do Superior Tribunal de Justiça, que, in verbis, dispõe:
SÚMULA N. 84 - É admissível a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de posse advinda do compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido do registro.
Humberto Theodoro Jr., entretanto, ao interpretar a Súmula em questão, atenta-nos para o fato de que esta intepretação tem como base a posse do comprador em relação ao imóvel, e não diretamente o direito real de aquisição. Garante-se a viabilidade do manejo dos embargos, desta forma, se o compromissário comprovar posse efetiva sobre o bem desde época anterior à penhora[5].
[1] LIEBMAN, Enrico Tullio apud THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: vol. III. 51. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2018.
[2] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: vol. III. 51. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2018.
[3] GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito processual civil esquematizado. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
[4] Idem.
[5] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: vol. III. 51. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2018.