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Dos procedimentos adotados para a compra e venda de imóveis no ordenamento jurídico brasileiro.
Autores do artigo:
WINDERSON JASTER, especialista em Direito de Família e Sucessões, Direito Imobiliário e Direito Aplicado na Escola de Magistratura do Estado do Paraná e JOSÉ LUIZ DA MATTA COTA, graduado em Direito na Universidade Federal do Estado do Paraná.

1. INTRODUÇÃO
A convivência com o sonho da casa própria é praticamente uma característica inerente ao brasileiro. Vivemos em um país, afinal, no qual a segurança decorrente de um ativo fixo como este por muito tempo se fez fundamental, tendo demonstrado historicamente se tratar de um investimento durável e capaz de prover conforto à família.
O processo para conquistar um lar para chamar de seu, por outro lado, está longe de ser simples e desburocratizado. Muitas vezes o interessado em adquirir onerosamente um imóvel não tem compreensão acerca dos diferentes tipos de atos, contratos e nuances jurídicas que o envolvem, ainda que essenciais para que a tratativa seja bem sucedida e não signifique prejuízos financeiros e emocionais.
Será realizada no presente artigo, neste sentido, uma breve contextualização sobre a transferência da propriedade imóvel no ordenamento jurídico brasileiro, bem como a análise específica dos principais contratos e atos que caracterizam a tão sonhada compra e venda.
2. BREVES APONTAMENTOS SOBRE A TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS NO BRASIL
Estritamente por motivos didáticos, fundamental se faz, antes de se passar a uma análise das especificidades do tema objeto deste estudo, conferir‑lhe uma contextualização geral e simplificada, tornando possível sua compreensão até mesmo por aqueles que nunca tiveram contato com a área jurídica.
No Brasil, vige a concepção de que só é proprietário quem tem seu nome registrado na matrícula do imóvel – documento que descreve e contém todas as informações sobre ele, armazenado nos Cartórios de Registros de Imóveis respectivos.
Isto porque foi adotada a teoria germânica, de tradição romana, que afirma que o contrato, por si só, não transmite a propriedade do bem vendido; apenas gera a obrigação de transferi-la. Tanto assim o é, que incessantemente é reproduzida no Direito a máxima do “quem não registra, não é dono”.
A compra e venda de um imóvel realizada entre os interessados, neste sentido, tem o objetivo justamente de tornar o comprador o legítimo proprietário da coisa, substituindo o nome do antigo dono pelo do adquirente na matrícula.
Ocorre que para esta alteração, necessário se faz, via de regra, um procedimento complexo que incluindo atos realizados particularmente e até mesmo perante um Tabelião. São estes os objetos a serem estudados cronologicamente, um a um, a partir de agora.
3. DO COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEIS
Em geral, quando tem fim a negociação entre o comprador e o vendedor de um imóvel, o primeiro documento a ser assinado pelas partes é o chamado contrato de compromisso de compra e venda. Conforme o próprio nome dá a entender, não se trata, ainda, da transferência de propriedade em si. Não há a efetivação do negócio, mas apenas um compromisso em realiza-lo futuramente.
Ainda que não seja obrigatória a utilização deste tipo de pré-contrato em vistas da confecção de um contrato fim, a maior parte das relações negociais de imóveis perpassa por ele. Nos moldes do que leciona Luciano de Camargo Penteado, “o contrato de compromisso de compra e venda é uma criação tipicamente brasileira” e tem funções bem definidas. De acordo com o autor, opera ele como uma espécie de garantia e, ao mesmo tempo, “permite uma economia de custos na negociação entre as partes pelo diferimento do momento da outorga da escritura[1]” – o momento do efetivo contrato de compra e venda.
Em outras palavras, por meio deste contrato preliminar, visam as partes já produzir os efeitos do contrato principal de compra e venda (que deve ser realizado via escritura pública), mas postergam sua celebração a fim de que possam ser cumpridas todas as cláusulas e interesses previstos pelas partes.
É a hipótese, por exemplo, de o negócio definitivo estar condicionado à ocorrência de um evento futuro, como o pagamento da dívida que foi estipulada de forma parcelada. Somente após o integral adimplemento por parte do promitente comprador é que seria realizado o verdadeiro contrato de compra e venda, por meio da já mencionada escritura pública definitiva, na presença do Tabelião.
Caso as partes decidissem pela celebração da compra e venda definitiva por meio de escritura pública e registro antes mesmo do cumprimento das cláusulas pactuadas, a exemplo do mencionado parcelamento, o desfazimento do negócio na hipótese de não adimplemento integral geraria incontáveis transtornos ao vendedor, especialmente na medida em que o promitente comprador já teria levado a escritura a registro e, consequentemente, se materializado como proprietário do bem.
Quanto a aspectos jurídicos do tema, Valter Farid Antonio Junior crítica a insuficiência de sua regulamentação:
Apesar de muito difundido no mercado imobiliário brasileiro, o contrato de compromisso de compra e venda ainda não conta com regulação própria pela lei geral. A exemplo do diploma de 1916, o Código Civil de 2002 não dedicou uma linha sequer ao contrato, limitando-se a prever o direito real que dele decorre (art. 1.225, VII) e o direito à adjudicação compulsória (arts. 1.417 e 1.418), além de inserí-lo na disciplina genérica dos contratos preliminares[2].
Inobstante estes valiosos apontamentos, fundamental se faz mencionar o que ocorre quando não celebrado o contrato definitivo e não registrado ele na matrícula do imóvel. Flávio Tartuce aponta que são conferidas ao prejudicado três opções.
A primeira delas diz respeito à possibilidade de “ingressar com ação de obrigação de fazer, fixando o juiz um prazo razoável para que a outra parte celebre o contrato definitivo (art. 463 do CC/2002)”, desde que “não conste do instrumento a previsão de cláusula de arrependimento e o preço tenha sido pago[3]”.
A segunda opção, ainda de acordo com o autor, é a de “o juiz suprir a vontade da parte inadimplente, conferindo caráter definitivo ao contrato preliminar, conforme o art. 464 do Código Civil. Esse efeito é similar ao da adjudicação compulsória, mas com eficácia inter partes, ao contrário da sua corriqueira eficácia erga omnes[4]”.
Por fim, a terceira opção seria a de, no caso de o contrato e o seu objetivo não interessarem mais ao compromissário ou promitente comprador, “requerer a conversão da obrigação de fazer em obrigação de dar perdas e danos, conforme a dicção do art. 465 do Código Civil”.
Leciona ainda o autor sobre a hipótese de o compromisso de compra e venda estar registrado na matrícula do imóvel. Nestes casos, a doutrina se inclinaria no sentido de não mais tratar-se de um contrato preliminar, mas de um negócio jurídico definitivo, perfeito, acabado e dotado de irretratabilidade. Existiriam efeitos reais erga omnes, gerando uma obrigação de dar a coisa via ação de adjudicação compulsória[5].
4. DA ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEIS
Se o já dissecado compromisso de compra e venda constitui instrumento particular a ser realizado apenas entre os contratantes e com eficácia, via de regra, inter partes, o mesmo não pode se dizer da escritura pública de compra e venda.
Trata-se este de contrato formal materializado via Instrumento Público lavrado por um Tabelião de Notas, sendo obrigatório em todos os casos em que o imóvel ultrapassar o valor de 30 salários mínimos, nos termos do que dispõe o artigo 108 do Código Civil.
Nos casos em que o valor é inferior a este mínimo legal, fica dispensada a escritura pública, podendo o contrato ser celebrado por instrumento particular.
Quanto a seus formalismos, importa apresentar o fato de a escritura pública poder ser lavrada em qualquer Tabelionato de Notas do país, não importando a localização do imóvel.
Fundamental ainda mencionar a disposição do inciso I do artigo 1.647 do Código Civil, que determina que quem é casado, salvo exceções ligadas ao regime de bens, apenas pode dispor de imóvel com a autorização do cônjuge.
Por fim, importante reafirmar o fato de nem o compromisso de compra e venda e nem a escritura pública não servirem, por si só, para a aquisição da propriedade móvel. Apenas o registro público, a ser estudado no tópico seguinte, é capaz de realiza-la.
O registro imobiliário – a ser estudado no tópico seguinte –, é que se situa no plano da eficácia do contrato e gera a aquisição da propriedade imóvel, devendo ocorrer no Cartório de Registro de Imóveis do local de situação da coisa (artigos 1.º, IV, e 167 a 171 da Lei 6.015/1973 – Lei de Registros Públicos).
5. DO REGISTRO DE IMÓVEIS
Nos moldes do que já apresentado reiteradas vezes no curso do presente estudo, o registro imobiliário que se situa no plano da eficácia do contrato e gera a aquisição da propriedade imóvel. É o que corrobora o artigo 1.227 do Código Civil, que assim dispõe: “Os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos (arts. 1.245 a 1.247), salvo os casos expressos neste Código”.
De acordo já com os artigos 1º, IV, e 167 a 171 da Lei nº 6.015/1973 (Lei de Registros Públicos), deve ele ocorrer no Cartório de Registro de Imóveis do local de situação da coisa.
Quanto ao tempo do registro, o artigo 1.246 do Código Civil estabelece que o registro se torna eficaz a partir da apresentação do título e prenotação no livro denominado protocolo, o qual se destina à anotação diária dos títulos que entram em cartório[6]. Torna-se relevante esta disposição, de acordo com Paulo Nader, já que
Ao ser prenotado, o documento recebe um número correspondente à ordem de apresentação.
(...) havendo conflito entre títulos translativos, estes não poderão ser registrados no mesmo dia, ganhando prioridade o de número mais baixo. Se formalizados em escrituras públicas, onde constem dia e hora da celebração do ato negocial, o registro de tais títulos não obedecerá tal critério, prevalecendo a ordem das lavraturas[7].
Importa mencionar ainda que o ato constante no registro possui presunção relativa de veracidade, admitindo impugnação (por invalidade) ou, ainda, retificação, conforme dispõe o §2º do artigo 1.245 e do artigo 1.247 do Código Civil. Isto porque o ordenamento jurídico pátrio adota o sistema causal, ou seja, aquele que permite afastar o registro quando sua causa não for verdadeira, diferentemente do sistema abstrato, pelo qual o registro bastava a si mesmo.
Consoante os ensinamentos de Flávio Tartuce, uma vez “cancelado o registro, poderá o proprietário reivindicar o imóvel, independentemente da boafé ou do título do terceiro adquirente, pois o registro traz presunção do domínio (art. 1.247, parágrafo único, do CC)[8]”.
Diante de todo o exposto, conclui-se que apenas com a efetivação do registro resta finalizado o procedimento de aquisição derivada da propriedade, concretizando‑se, assim, a materialização do ideal de grande parte dos brasileiros.
[1] PENTEADO, Luciano de Camargo. Direito das coisas. 2. ed. São Paulo: RT, 2012, p. 505.
[2] Antonio Junior, Valter Farid. “Compromisso de Compra e Venda”. São Paulo: Atlas, 2009, pág.1.
[3] TARTUCE, Flávio. Do compromisso de compra e venda de imóvel: questões polêmicas a partir da teoria do diálogo das fontes. In: Revista Jurídica Luso-Brasileira, Ano 1, 2015, p. 567. Disponível em: <https://www.cidp.pt/publicacoes/revistas/rjlb/2015/5/2015_05_0557_0592.pdf>. Acesso em 12 set. 2018.
[4] Idem.
[5] Ibid., p. 571.
[6] NADER, Paulo. Curso de direito civil, volume 4: direito das coisas. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 177.
[7] Idem.
[8] TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 7. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017. p. 668.