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A usucapião e suas modalidades: usucapião ordinária (parte 2)
Autores do artigo: Winderson Jaster, especialista em Direito de Família e Sucessões, Direito Imobiliário e Direito Aplicado (EMAP-PR) e José Luiz da Matta Cota, graduado em Direito na Universidade Federal do Paraná.
1. INTRODUÇÃO
Ao longo da primeira parte deste artigo, conceituamos o instituto da usucapião como uma forma de aquisição da propriedade que se distingue da corriqueira noção de compra e venda, especialmente na medida em que se valoriza a função social da propriedade e o interesse coletivo em detrimento da segurança jurídica. Em outras palavras, verificamos na usucapião um instituto jurídico no qual a posse se transforma em propriedade pelo decurso do tempo aliada à inércia de seu titular original.
Restou apresentada também a primeira das modalidades do gênero usucapião: a usucapião extraordinária.
Neste sentido, para que seja possibilitada a completa compreensão do instituto objeto deste estudo, passaremos, nesta segunda parte, à análise da chamada usucapião ordinária.
2. A USUCAPIÃO ORDINÁRIA
Ainda subdividindo o gênero usucapião, o artigo 1.242 do Código Civil de 2002 dispõe que “adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos”.
Neste sentido, da análise do caput do dispositivo em análise, podemos extrair três requisitos fundamentais para a possibilidade de uma usucapião ordinária: (i) a posse mansa, pacífica e ininterrupta com animus domini por 10 anos, (ii) o justo título e (iii) a boa-fé.
A posse mansa, pacífica e ininterrupta, conforme já mencionado na primeira parte deste artigo, é aquela em que não se verifica qualquer interrupção ou oposição contra seu exercício pelo usucapiente, inexistindo contestação.
Por sua vez, o segundo requisito da posse de boa-fé ocorre quando o possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa. De acordo com Paulo Nader, citando Modestino, “considera-se comprador ‘de boa-fé’ o que ignorou que a coisa era alheia, ou acreditou que a pessoa que lhe vendeu tinha direito para aliená-la, por exemplo, que era procurador ou tutor[1]”. É diametralmente oposta à posse de má-fé, na qual o possuidor tem conhecimento do vício e ainda assim opta por exercer sua posse visando a obtenção de vantagens indevidas.
O terceiro e último requisito da usucapião ordinária, a posse com título, é a situação em que há uma causa representativa da transmissão da posse, caso de um documento escrito, como ocorre na vigência de um contrato de locação ou comodato, por exemplo. Ressalta-se presumir de boa-fé a posse com justo título, salvo prova em contrário ou quando a lei expressamente não admitir.
Ainda quanto ao justo título, importante mencionar o fato de, segundo o Enunciado n. 86 do CJF/STJ, aprovado na I Jornada de Direito Civil, a expressão abranger todo e qualquer ato jurídico hábil, em tese, a transferir a propriedade, independentemente de registro.
De acordo com Flávio Tartuce, portanto, “deve ser considerado justo título para a usucapião ordinária o instrumento particular de compromisso de compra e venda, independentemente do seu registro ou não no Cartório de Registro de Imóveis[2]”.
Complementa o autor colacionando, ainda, o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça adotando este entendimento:
Civil e processual – Ação reivindicatória – Alegação de usucapião – Instrumento particular de compromisso de compra e venda – Justo título – Súmula 84-STJ – Posse – Soma – Período necessário à prescrição aquisitiva atingido. I. Ainda que não passível de registro, a jurisprudência do STJ reconhece como justo título hábil a demonstrar a posse o instrumento particular de compromisso de compra e venda. Aplicação da orientação preconizada na Súmula 84. II. Se somadas as posses da vendedora com a dos adquirentes e atuais possuidores é atingido lapso superior ao necessário à prescrição aquisitiva do imóvel, improcede a ação reivindicatória do proprietário ajuizada tardiamente. III. Recurso especial conhecido e provido (STJ – REsp 171.204/GO – Rel. Min. Aldir Passarinho Junior – 4.ª Turma – j. 26.06.2003 – DJ 01.03.2004, p. 186).
Percebe-se que a intenção do legislador foi a de valorizar os usucapiente que consegue comprovar o exercício de uma posse em consonância com o basilar princípio da boa-fé, reduzindo, em compensação, o lapso temporal necessário de quinze para dez anos entre as modalidades.
Assim, se na já apresentada usucapião extraordinária o justo‑título servia apenas como reforço de prova, já que não é exigido pela lei como requisito necessário, na usucapião ordinária ele se faz fundamental para a possibilidade de aplicação do instituto.
De outro lado, o legislador apresenta também no parágrafo único do artigo uma variação do modelo tradicional da usucapião ordinária, conferindo a possibilidade de redução do lapso temporal para cinco anos:
Parágrafo único. Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico.
Seguindo a mesma lógica da usucapião extraordinária, possibilita-se que o possuidor que tenha estabelecido no imóvel sua moradia habitual, ou ainda, se nele houver realizado obras ou serviços de caráter produtivo, o que se denominou de “posse-trabalho”, tenha sua conversão de posse em propriedade facilitada.
Ocorre que neste caso da usucapião ordinária exige-se também o registro, ainda que cancelado, ao lado da posse-trabalho, razão pela qual se convencionou designar tal instituto de usucapião tabular ou de livro.
A opção legislativa por adotar o registro como requisito, entretanto, não é unanimidade entre os doutrinadores.
De acordo com Flávio Tartuce, o dispositivo, “sem dúvidas, apresenta um sério problema”:
(...) pois a posse-trabalho é que deve ser tida como elemento fundamental para a caracterização dessa forma de usucapião ordinária, fazendo com que o prazo caia pela metade.
Deve-se então concluir que a existência do título registrado e cancelado é até dispensável, pois o elemento é acidental, formal. A posse-trabalho, em realidade, é o que basta para presumir a existência da boa-fé (aqui é a boa-fé objetiva, que está no plano da conduta) e do justo título. Essa parece ser a melhor interpretação, fundada no princípio da função social da posse[3].
Inobstante as críticas apresentadas pela doutrina, pode-se concluir sobre o instituto que a intenção do legislador foi a de valorizar os usucapiente que consegue comprovar o exercício de uma posse em consonância com o basilar princípio da boa-fé,
reduzindo, em compensação, o lapso temporal necessário de quinze (usucapião extraordinária) para dez anos (usucapião ordinária).
[1] NADER, Paulo. Curso de direito civil, volume 4: direito das coisas – 7. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 170.
[2] TARTUCE, Flávio. Direito civil, v. 4 : direito das coisas– 6. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014. p. 167.
[3] Ibid., p. 168.